O dia 27 de abril é dedicado ao trabalhador doméstico e a direção do Sindicato dos Comerciários de Campina Grande e Região, além de parabenizar a categoria, chama a atenção para questões sempre em pauta envolvendo tais profissionais: a falta de uma maior valorização do trabalho e do trabalhador, e a sobrecarga história de serviços.
O presidente do sindicato, José Rogério, comenta que o trabalho doméstico é muito importante para o funcionamento de uma residência, já que tal profissional atua como uma espécie de gerente, tendo várias atribuições diárias para cuidar do domicílio e das pessoas.
Veja abaixo reportagem especial sobre o trabalho doméstico no Brasil
TRABALHO DOMÉSTICO REMUNERADO NO BRASIL: UM TRABALHO DE CUIDADOS NA CHEFIA DO DOMICÍLIO
Agenda dos trabalhos de cuidado ganhou destaque mundial nos últimos anos. Pauta do movimento feminista há séculos, por causa da sobrecarga histórica dos cuidados sobre a população feminina, a recente atenção é resultado da chamada “crise dos cuidados”. Essa dinâmica é explicada pelo aumento da demanda por trabalhos de cuidado, devido ao envelhecimento populacional, concomitantemente ao decréscimo da oferta de cuidadores – em função da maior entrada de mulheres no mercado de trabalho, além da redução do papel do Estado como provedor de políticas de bem-estar social.
No Brasil, o tema ficou em evidência graças às discussões sobre a Política Nacional de
Cuidados, que desenha a questão do cuidado como direito a ser assegurado por políticas transversais, cuja oferta deve ser realizada conjuntamente por Estado, setor privado, comunidade e homens e mulheres, nas famílias.
Atualmente, o sistema de relações de cuidados brasileiro recai principalmente sobre as famílias, majoritariamente sobre as mulheres, devido à baixa oferta de serviços públicos voltados a essas atividades. E quando não é suprida pela família, a oferta de cuidados, no país, é realizada principalmente pela comunidade, e, no caso das famílias com maior poder aquisitivo, pelas trabalhadoras domésticas remuneradas.
Em outras palavras, as trabalhadoras domésticas remuneradas exercem um papel fundamental no suprimento nacional de cuidados, compensando a escassez de oferta de serviços públicos voltados para esse fim.
O ofício, como é sabido, tem raízes em nosso passado de escravidão e na estrutura social patriarcal e é exercido até hoje principalmente por mulheres negras. Trata-se também de uma atividade, que na maior parte do tempo, esteve à margem dos principais avanços obtidos pelos demais trabalhadores no campo dos direitos trabalhistas, caracterizada, ainda, por baixa remuneração e evidências de ilegalidades.
EQUIDADE RACIAL E A AGENDA DE CUIDADOS NO BRASIL
A A partir dessa premissa, de que o trabalho doméstico é uma forma de oferta de trabalhos de
cuidado, este boletim busca traçar um panorama do perfil das trabalhadoras domésticas e
do trabalho doméstico remunerado no Brasil, nas múltiplas formas de ocupação. O estudo
considera tanto as atividades diretas de cuidados com as pessoas – a exemplo daquelas
exercidas por enfermeiras e babás – como o cuidado indireto, prestado por trabalhadoras
dos serviços domésticos gerais.
QUEM SÃO AS PESSOAS QUE EXERCEM O TRABALHO DOMÉSTICO E DE
CUIDADOS DOMICILIARES NO BRASIL
Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, do Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (Pnad Contínua, do IBGE)), havia 5.932 mil pessoas ocupadas em
serviços domésticos, no Brasil, no quarto trimestre de 2024. Ainda que a maior parcela dessas pessoas continue contratada para realizar serviços gerais, observa-se tendência de especialização da atividade.
Mas houve nos últimos 10 anos uma redução significativa da participação de profissionais generalistas no setor, passando de 82,7% do total, em 2014, para 73,6%, em 2024. Ao mesmo tempo, percebe-se o crescimento principalmente de pessoas que são cuidadoras, incluindo tanto aquelas que realizam cuidados pessoais a domicílio como as cuidadoras de crianças. Somadas, essas duas ocupações correspondiam a cerca de 21% do total de pessoas ocupadas em serviços domésticos, em 2024, um contingente igual a 1,24 milhão de profissionais. Em 2014, essas duas categorias ocupacionais correspondiam a 14% do total de pessoas ocupadas na atividade, ou 807 mil profissionais.
Entre as atividades de cuidados, houve um crescimento principalmente das pessoas empregadas nos cuidados pessoais em domicílio, passando de 5,8%, em 2014, para 11,1%, em 2024. No caso dos cuidados com crianças, exerciam a atividade 8,1% das pessoas ocupadas, passando a 9,8%, em 2014. Vale notar o crescimento das pessoas empregadas como cuidadoras de crianças, principalmente, entre 2020 e 2022, que corresponde exatamente ao período da pandemia da Covid-19, quando as escolas de educação infantil permaneceram a maior parte do tempo fechadas. Outras pessoas ocupadas como trabalhadoras externas e profissionais de cozinha somaram 5,3% do total, em 2024. Essas ocupações apresentaram oscilações ao longo da última década, mas não ultrapassaram 3% do total de pessoas empregadas. As demais ocupações mantiveram-se abaixo de 0,4% da distribuição, ao longo da década analisada.
Considerando o sexo da pessoa ocupada, verifica-se que o trabalho doméstico tem rosto
feminino, empregando, no quarto trimestre de 2024, um contingente de 5.434 mil mulheres,
ou 93,5% do total. Mas, entre as diferentes atividades realizadas, observam-se importantes
diferenças de gênero. As mulheres são maioria absoluta como profissionais de cozinha, cuidadoras de crianças, cuidadoras pessoais em domicílio e nos serviços domésticos em geral. Já os homens estão alocados, principalmente, no trabalho doméstico externo, que abarca tanto atividades de agricultura e jardinagem, como condução de veículos e segurança.
Além do viés de gênero, o trabalho doméstico emprega principalmente pessoas negras, que
representam 68,5% da categoria. E embora as pessoas negras sejam maioria, também, em
todas as ocupações consideradas, em 2024, havia maior concentração delas nos serviços
domésticos em geral e no cuidado com crianças, que são duas das maiores atividades
empregadoras do setor. Nas demais funções – ou seja, em cuidados pessoais a domicílio,
trabalho de cozinha e trabalho externo – as pessoas negras ocupadas representavam cerca
de 64% do total de ocupados em cada atividade, proporção menor do que a média geral
Em relação à faixa etária, é possível notar que o trabalho doméstico remunerado é exercido
principalmente por pessoas maduras, com mais de 45 anos, que correspondem a 54,2% do
total da ocupação. A faixa de 30 a 44 anos, por sua vez, concentra 31,8% das pessoas
ocupadas. Entre as diferentes atividades realizadas, essa distribuição é semelhante, com
destaque para os profissionais de cozinha, cuja concentração na faixa acima de 45 anos é
de 62,6%, das quais 19% estão somente na faixa de 60 ou mais.
A exceção ao perfil de pessoas maduras são aquelas ocupadas como cuidadoras de crianças. Nessa atividade 40,8% das ocupadas possui menos de 30 anos. Entre elas, há concentração grande na faixa de 18 a 24 anos, que corresponde a 21,1% do total. Essa é a única atividade que apresenta indicadores para jovens entre 14 a 17 anos, compreendendo 7% do total. Vale destacar que o trabalho doméstico é proibido para menores de 18 anos desde 2008, quando a atividade foi incluída na lista das piores formas de trabalho infantil, seguindo as recomendações da Convenção 182 da OIT.
Quanto à escolaridade, a maior parte das pessoas ocupadas em trabalho doméstico está
concentrada nas faixas de menor escolaridade: 62% do total têm até o ensino médio incompleto e, dessas, 41% possuem até o ensino fundamental incompleto. No outro extremo, 36,1% das pessoas ocupadas possuem ensino médio completo ou superior incompleto e 2% superior completo. Esse padrão de baixa escolaridade é observado, também, entre as pessoas alocadas nos serviços domésticos em geral, entre os trabalhadores externos e profissionais de cozinha. Há, por outro lado, maior concentração de pessoas com maior escolaridade alocadas nas atividades de cuidados pessoais a domicílio, onde 50,3% possuem pelo menos o ensino médio completo, e no cuidado de crianças, onde 53,9% possuem esse nível de escolaridade.
A maior parte das pessoas ocupadas nos trabalhos domésticos é responsável pelo domicílio, abrangendo 56% da categoria, seguida de 28,2% de pessoas alocadas como cônjuge e 7,2%, como filhas (o). Essa mesma distribuição é observada na maioria das atividades, à exceção do cuidado de crianças, onde há um percentual relevante de filhas (o) (22,8%), o que pode estar relacionado às menores faixas etárias das ocupadas.
COMO TRABALHAM AS PESSOAS OCUPADAS NO TRABALHO DOMÉSTICO
E DE CUIDADOS DOMICILIARES REMUNERADOS
Apesar da importância como força de trabalho para o cuidado domiciliar, o trabalho doméstico remunerado ainda é uma ocupação pouco valorizada no Brasil, exercida em condições precárias. No tocante ao rendimento, verifica-se que, em 2024, as pessoas ocupadas nesse setor recebiam em média R$ 1.252,00, um valor inferior ao piso salarial em vigor no país, na ocasião (R$ 1.412,00).
Havia também importantes desigualdades salariais dentro da própria categoria. As pessoas ocupadas em serviços domésticos em geral – que são a grande maioria no setor – e as cuidadores de crianças, recebiam rendimentos ainda menores do que a média geral (R$ 1.211,00 e R$ 1.069,00, respectivamente). Considerando-se o sexo e a raça/cor da pessoa ocupada, verifica-se que as mulheres, sobretudo negras, eram as mais mal remuneradas.
Com relação à posse da carteira de trabalho, apenas 24,4% do total de pessoas ocupadas no setor tinha esse direito garantido. Essa realidade era a mesma, se consideradas as diferentes atividades exercidas pelos profissionais, à exceção dos profissionais de cozinha que trabalhavam na maioria (51,2%) com carteira assinada. Entre as pessoas ocupadas em serviços domésticos em geral, cuidados pessoais a domicílio e cuidados de crianças, a proporção de profissionais com carteira de trabalho assinada ainda era menor do que a média geral: 23,9%, 21% e 22,3%, respectivamente.
Outro indicador historicamente associado à má qualidade dos postos de trabalho no setor de serviços domésticos é a baixa proteção social. Em 2024, somente 34,8% das pessoas ocupadas como tal eram contribuintes da Previdência Social.
Entre as pessoas ocupadas nas atividades de cuidados pessoais a domicílio e de cuidados de crianças, a proporção de contribuintes era menor ainda do que a média geral: 32,6% e 27,7%, respectivamente. Somente entre as pessoas ocupadas como profissionais de cozinha, havia maior proporção de profissionais contribuintes (56,8%) do que de não contribuintes (43,2%).
Em relação à situação ocupacional das pessoas ocupadas no trabalho doméstico, observa-se que quase a metade (45,4%) estava contratada como diarista, em 2024.
Inclusive, entre as pessoas ocupadas em serviços domésticos gerais, a quantidade de diaristas (53,1%) já era maior do que a de mensalistas (46,9%), no período analisado. Cabe lembrar que a nova legislação da categoria – promulgada em 2013, e regulamentada, em 2015 – não assegurou proteção trabalhista e social a essa modalidade de contratação, sendo estendida – sem justificativa aceitável – somente àquelas pessoas ocupadas que trabalhavam pelo menos três dias por semana em uma mesma residência.
Observa-se, ainda, que entre as pessoas ocupadas como cuidadoras pessoais a domicílio ou cuidadoras de crianças há participação majoritária de profissionais contratadas como mensalistas (quase 80% das pessoas ocupadas nas duas categorias). Uma vez que a maioria desses profissionais não possui carteira de trabalho assinada, é possível inferir que a maior parte dos contratos de trabalho está em situação de ilegalidade. Em outras palavras, os cuidados diretos no Brasil são exercidos principalmente por trabalhadoras mensalistas de maneira ilegal.
Quanto à jornada de trabalho, por fim, verifica-se que, em 2024, tanto as pessoas ocupadas no trabalho doméstico que eram mensalistas quanto as diaristas trabalharam menos de 40 horas semanais, em média. As diaristas, no geral, também tiveram jornada semanal bem inferior à média das mensalistas: 24 horas semanais, contra 37,8 horas, respectivamente em todas as atividades analisadas, é possível verificar que as diaristas trabalharam menos horas semanais do que as mensalistas, seguindo o padrão geral. Essa realidade mostra que os potenciais benefícios monetários que decorreriam da flexibilidade de horários e da possibilidade que as diaristas têm de trabalhar em mais de um domicílio, cobrando mais por hora trabalhada, e que, em tese, compensariam as perdas decorrentes da inexistência de vínculo formal de emprego, não se verificam na prática, porque, ao longo do mês, elas acabam tendo carga horária média de trabalho insuficiente.
CONCLUSÃO
As características gerais das pessoas empregadas no trabalho doméstico apontam para um
perfil predominante de mulher negra, madura, de baixa escolaridade e responsável pelo
domicílio. Há uma tendência no setor, nos últimos 10 anos, de crescimento de atividades
especializadas, como as de cuidados com pessoas e de crianças, concomitante à redução
das pessoas ocupadas como prestadoras de serviços domésticos gerais, ainda que estas
continuem majoritárias. As pessoas que prestam serviços de cuidados diretos são
majoritariamente mulheres negras, mas com escolaridade acima da média do total.
Destaca-se ainda a presença de cuidadoras de crianças que são mais jovens, e, inclusive,
dentro das faixas etárias proibidas pela legislação nacional. As cuidadoras diretas também
são, em maioria, trabalhadoras mensalistas, mas sem carteira de trabalho assinada, sem
proteção social, com jornadas de trabalho mais elevadas e mal remuneradas. Em outras
palavras, o trabalho doméstico remunerado tem se especializado, em direção às atividades
de cuidados diretos com as pessoas, mas sem mudar de modo significativo o histórico de
desvalorização e precarização.
Fonte: Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE)