Após quatro anos de retrocesso econômico e social, em 2023, abre-se novamente espaço para a retomada do debate sobre a construção da igualdade entre negros e não negros. O desafio ainda é grande. Até 2022, os números mostram crescimento da precarização na ocupação e queda de renda para toda a população, o que aprofundou a desigualdade racial no mercado de trabalho.
Em 2023, há algumas mudanças. A melhora da atividade econômica no início do
ano foi uma surpresa positiva e a expectativa é que o PIB cresça aproximadamente 3%.
Essa recuperação traz impactos positivos também no mercado de trabalho. A taxa de
desocupação diminuiu e o emprego formal cresceu. Além disso, a inflação mais baixa e o
aumento do salário mínimo permitiram recuperação dos rendimentos médios dos
ocupados.
No entanto, o mercado de trabalho ainda é espaço de reprodução da desigualdade
racial. Tanto a inserção quanto as possibilidades de ascensão são desiguais para a
população preta e parda. E as mulheres negras acumulam as desigualdades não só de
raça, mas também de gênero:
Alguns destaques:
•
Embora representem 56,1% da população em idade de trabalhar, os negros ocupavam
apenas 33,7% dos cargos de direção e gerência. Ou seja, um em cada 48 trabalhadores
negros ocupa função de gerência, enquanto entre os homens não negros, a proporção
é de um para 18 trabalhadores.
•
Entre os desocupados, 65,1% eram negros. A taxa de desocupação das mulheres negras
é de 11,7% – mesmo percentual de um dos piores momentos enfrentados pelas pessoas
não negras, no caso, a pandemia. A taxa de desocupação dos não negros está em 6,3%
no 2º trimestre de 2023.
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Quase metade (46%) dos negros estava em trabalhos desprotegidos. Entre os não negros, essa proporção era de 34%. Uma em cada seis (16%) mulheres negras
ocupadas trabalha como empregada doméstica.
•
Os negros ganhavam 39,2% a menos do que os não negros, em média. Em todas as
posições na ocupação, o rendimento médio dos negros é menor do que a média da
população.
Este boletim examina a inserção da população negra no mercado de trabalho
brasileiro e algumas facetas da discriminação racial. Os dados analisados são da Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, realizada pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (PnadC-IBGE) e referem-se ao 2º trimestre de 2023.
Discriminação na busca por uma vaga
A discriminação racial acontece primeiramente na maior dificuldade de inserção
dos negros no mercado de trabalho. A taxa de desocupação dos negros é
sistematicamente superior à dos demais trabalhadores. Embora representem 56,1% da
população em idade de trabalhar, os negros correspondem a mais da metade dos
desocupados (65,1%).
No 2º trimestre de 2023, a taxa de desocupação dos negros era de 9,5%, ou seja,
3,2 pontos percentuais acima da dos não negros (Gráfico 1). No caso das mulheres negras,
a taxa estava em 11,7% (Gráfico 2), mesmo percentual registrado para os não negros no
2º trimestre de 2021, durante um dos piores momentos da crise causada pela pandemia
de covid-19.
Mais de um quarto (26,6%) das mulheres negras aptas a compor a força de
trabalho declararam se encaixar em uma das seguintes situações: (1) estavam
desocupadas ou (2) não tinham procurado trabalho por falta de perspectiva ou (3)
estavam ocupadas, mas com carga de trabalho inferior à que gostariam. É o que mostrou
a taxa composta de subutilização da força de trabalho (Gráfico 3). Entre os homens não
negros, essa taxa foi de 11,2%. Ou seja, a inserção das mulheres negras no mercado de
trabalho é mais difícil, mesmo em contexto de melhora da atividade econômica.
Piores postos de trabalho
Quando conseguem ocupação, as condições de inserção dos negros são mais
desfavoráveis. Em geral, conseguem se colocar em postos mais precários e têm maiores
dificuldades de ascensão profissional. Apenas 2,1% dos trabalhadores negros – homens
ou mulheres – estavam em cargos de direção ou gerência. Entre os homens não negros,
essa proporção é de 5,5% (Gráfico 4).
Isso significa que apenas um em cada 48 trabalhadores negros está em cargo de
gerência, enquanto entre os homens não negros, a proporção é de um para cada 18 trabalhadores.
A proporção de negros empregadores também é menor. Enquanto 1,8% das
mulheres negras eram donas de negócios que empregavam funcionários, a proporção
entre as não negras foi de 4,3%. Entre os homens negros, o percentual ficava em 3,6%.
Entre os não negros, a proporção foi maior: 7%.
A informalidade é maior entre os negros. Praticamente metade dos negros
ocupados estava em trabalhos desprotegidos: 46,5% das mulheres negras e 45,8% dos
homens negros. Entre os não negros, essa proporção foi de 34%.
Uma em cada seis (15,8%) mulheres negras ocupadas trabalha como empregada
doméstica – uma das ocupações mais precarizadas em termos de direitos trabalhistas e
reconhecimento (Tabela 1). As trabalhadoras domésticas negras sem carteira recebiam,
em média, R$ 904 por mês – valor R$ 416 abaixo do salário mínimo em vigência (Tabela
2).
O fato de os negros estarem em maior proporção em postos de trabalho informais
e com menor remuneração explica apenas parte da diferença de remuneração entre
negros e não negros. No 2º trimestre de 2023, os negros ganhavam, em média, 39,2% a
menos que os não negros. Mas, mesmo quando comparados os rendimentos médios de
negros e não negros na mesma posição na ocupação, os negros estão em desvantagem. Em todas as posições, o rendimento médio deles é inferior (Tabela 2). Isso
é uma evidência de que, além das desigualdades de oportunidade, os negros enfrentam
tratamento diferenciado no mercado de trabalho.
Considerações finais
Mesmo com a indicação do crescimento da atividade econômica, o mercado de
trabalho continua reproduzindo as desigualdades sociais. Os trabalhadores negros
enfrentaram mais dificuldades para conseguir trabalho, para progredir na carreira e
entrar nos postos de trabalho formais com melhores salários. E as mulheres negras
encaram adversidades ainda maiores do que os homens, por vivenciarem a discriminação
por raça e gênero.
Em 2023, foram anunciadas políticas com ações específicas para os negros e
negras do país. Além de garantir igualdade salarial entre homens e mulheres, via Lei
14.611/2023, o presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva, criou o Ministério da
Igualdade Racial e alterou o Estatuto da Igualdade Racial, para incluir informações
sobre raça e etnia de trabalhadores nos registros administrativos de empregados dos
setores público e privado. O governo anunciou ainda que destinaria 30% dos cargos em
comissão e funções de confiança da administração federal a pessoas negras.
A estabilidade política, sem investidas contra a democracia, a melhora da
economia e a redução da inflação podem também contribuir para um ambiente mais
propício para as negociações coletivas, no qual os sindicatos poderão voltar a negociar
cláusulas de igualdade de salário e de progressão na carreira, independentemente de
raça/cor.
Na construção de uma sociedade mais justa e desenvolvida, não se pode deixar
que mais da metade dos brasileiros seja sempre relegada aos menores salários e a
condições de trabalho mais precárias apenas pela cor/raça ou pelo gênero. É necessário
amplo trabalho de sensibilização para que todas as políticas públicas sejam desenhadas
e implementadas com o objetivo de atacar o problema das desigualdades –
especialmente no mercado de trabalho. O caminho a ser percorrido é longo, mas o trajeto
precisa ser feito com determinação e agilidade.
DIEESE
O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) é uma entidade criada e mantida pelo movimento sindical brasileiro. Foi fundado em 1955, com o objetivo de desenvolver pesquisas que subsidiassem as demandas dos trabalhadores.
Sindicatos, federações, confederações de trabalhadores e centrais sindicais são filiados ao DIEESE e fazem parte da direção da entidade. Atualmente, são cerca de 700 associados.
Ao longo dos mais de 60 anos de história, o DIEESE conquistou credibilidade e reconhecimento nacional e internacional como instituição que desenvolve pesquisa, assessoria e educação voltadas para os dirigentes e assessores das entidades sindicais e os trabalhadores. Graças a um trabalho que beneficia a toda a sociedade, é reconhecido como instituição de utilidade pública.
O DIEESE possui 17 escritórios regionais, cerca de 50 subseções (unidades dentro de entidades sindicais) e atualmente dois observatórios do trabalho (divisões que funcionam dentro de prefeituras, governos estaduais, para subsidiar o poder público com pesquisas e análises).